Domingo, 29 de Dezembro de 2013

Um Senado para a Guiné-Bissau

Um país em construção apresenta um grupo de vantagens e, ao mesmo tempo, de desvantagens que reside na fragilidade das instituições do Estado. No caso da Guiné-Bissau, temos uma identidade coletiva construída em torno de grupos e de etnias, alguns deles transnacionais, cimentada essa identidade nos próprios processos de independência e na construção de uma vontade comum de daí construir um Estado.

 

No momento presente parece não carecer de grande demonstração a verificação da fragilidade das instituições do Estado guineense. Da mesma forma as sucessivas lutas, por vezes violentas, entre lideranças políticas demonstra também a inadaptação da aplicação de um modelo político ocidentalizado a uma realidade cultural muito específica. O desenvolvimento e instalação, nos últimos anos, de rotas de narcotráfico, é "apenas" um dos muitos corolários lógicos correspondentes a um duplo processo que se cruza no tempo:

 

1) Por um lado, as instituições tradicionais, ancestrais e agregadoras do coletivo não só se vão erodindo como não encontram direta cama nem reflexo no Estado ocidentalizado;

 

2) Por outro, as instituições e as lideranças de um modelo político constitucional não conseguiram um lugar na estrutura social que as legitime como óbvias, que as apresente como naturais, que as torne verdadeiramente emanadas e ao mesmo tempo dirigidas para a população.

 

Neste quadro, urge criar soluções que quebrem este ciclo vicioso podendo dar à Guiné-Bissau uma nova fase de paz social. Mais que reforço das polícias de administração interna, mais que o reforço das competências do Exército, mais que colaboração de tropas internacionais, torna-se imperativo recriar a ligação da população à sua ideia de nação e ao Estado, criando mecanismos de regulação do poder político e, acima de tudo, de representatividade das instâncias secularmente agregadoras dos indivíduos.

 

A criação de uma assembleia consultiva que surgisse de dentro das instituições que ao longo dos séculos construíram as diversas identidades da Guiné poderia afirmar-se como um patamar fundamental de recriação de elos entre a população e as suas elites, contornando toda a desconfiança e instabilidade que tem reinado em torno de qualquer processo político guineense.

 

Nesta assembleia consultiva, que se poderia designar por Senado, deveriam estar representados todos os grupos que possibilitam dar à Guiné a coesão que está para além dos pequenos ciclos políticos, ou até mesmo a continuidade em momentos de revolução.

 

As lideranças tribais e religiosas afirmam-se desde há milhares de anos como os polos de unidade social e aqui, na Guiné, deveriam ser a base desta instituição onde a representatividade não se obtém pelo voto, mas sim pela identidade coletiva. Poderiam ter assento neste Senado pelo menos três grupos de indivíduos que se movem num tempo mais longo que o imediato tempo do jogo político:

 

1) líderes tribais;

 

2) líderes religiosos;

 

3) líderes e antigos líderes de câmaras profissionais (comércio, indústria, ordens profissionais, etc.)

 

Obviamente, a criação de uma instituição como a aqui apontada implicaria o seu sólido estabelecimento no articulado da Constituição, e deveria ter como base do seu processo de estabelecimento um debate nacional que conduzisse a um amplo consenso.

 

Só num processo que recupere a ligação da população aos seus vectores de identidade se pode dar à Guiné uma porta para que entre o passado e o futuro se construam oportunidades para as novas gerações. A capacidade cada vez mais sólida das novas gerações deve ser consolidada politicamente através de uma “religação” ao que une as gentes e as torna habitantes de um lugar, ao que dá sentido a um colectivo que vê na comunidade um caminho comum.

 

 

Paulo Mendes Pinto , Rui Lomelino de Freitas e Fernando Catarino

 

Publicado por Re-ligare às 05:04
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