Sábado, 22 de Agosto de 2009

Peccatrix, meretrix e redentora: os significados de Maria Madalena

Se há santo no cristianismo com um lugar claramente ambíguo, esse santo é Maria de Magdala, festejada em pleno mês de Julho (dia 22). Os evangelistas referem-na (com a normal confusão de não se saber se as referencias são apenas a uma mulher ou a duas homónimas) 11 vezes. Apesar de termos tão poucos dados sobre a sua vida, a sua forma de estar, estamos perante um dos personagens que mais imaginação despoletou na cultura ocidental. Longe do que viria a ser o canon do lugar da mulher na igreja, Maria Madalena ocupa, ao lado de Maria, um lugar de grande proximidade a Jesus. Se uma era a mãe de Jesus, a outra... diz-se que participava da mais velha profissão ao cimo da terra. Pior curriculo não poderia ser apresentado para almejar um lugar no seio do grupo do messias. E, todavia, tinha-o. Não foi banida da história, foi usada em fases muito específicas em que a sua duplicidade trazia francas vantagens. O desprezo medieval pela sexualidade feminina é compensado pela crescente valoração de Maria Madalena, a prostituta arrependida, aquela a quem Cristo primeiro aparecera depois de ressuscitado, aquela que de meretrix passara a co-redentora. A piedade medieval, do fim da Idade Média, fez de Maria Madalena a Santa mais popular da história; Maria de Magdala é o resultado da síncrese de várias divindades: Maria Madalena, Maria de Betânea e ainda Maria Egípciaca. Em todas, a tónica é a da mulher que, pelo seu esforço e piedade, expiou os seus pecados, ou lhe foram perdoados directamente por Cristo. A Maria Madalena elaborada na Idade Média é a filha pródiga reencontrada, a virtude, a imagem perfeita de uma cristianização total Europa. Em Portugal são 67 as paróquias com esta santa como orago. A origem do culto em Portugal deve ter origem em dois santuários franceses muito em voga nos séculos XI e XII. Fora lá que a Santa, pela tradição, evangelizara, e se tornara eremita. Pois é também de França que vem, e não só para Portugal, uma das principais armas do novo papado empenhado na reforma Gregoriana, a profunda e definitiva evangelização da cristandade: Bernardo de Claraval. Mais, das nascentes Ordens Mendicantes, em pleno século XIII, uma escolherá Maria Madalena para seu patrono: os Dominicanos. Se tomarmos atenção à distribuição dessas 67 paróquias, vemos que o culto se localiza quase exclusivamente acima da linha do Tejo, mesmo as excepções não estão abaixo da linha da foz desse rio (Monforte e Portalegre). Verificando as várias levas, fases, de forais atribuídos durante a chamada Reconquista Cristã, há uma clara coincidência entre a estratégia de organização do espaço de D. Afonso Henriques, e de D. Sancho I, e a implementação do culto a Maria Madalena; ou melhor, até à descida para a linha do Tejo, a implementação do culto de Maria Madalena pode ter acompanhado a geral organização do território conquistado. Há uma coincidência cronológica e de implantação no terreno com os dois primeiros reinados portugueses; há ainda a notar que, apesar de ser um culto apenas localizado no centro e Norte do pais, a sua implantação tem, decerto, a ver com uma adaptação a meios não muito isolados, e com algum dinamismo comercial. O apoio que o papado dá ao nascente reino coincide com o crescimento do culto desta santa em França, com o nascimento das ordens mendicantes e com o nascimento do seu culto em Portugal. Tão útil para cristianizar em tempo de reconquista, de evangelização, Maria Madalena sempre ocupou um outro fascínio na nossa cultura: o pecado e não a redenção. Em 1768 era lançado um edital que proibia o livro Madalena, pecadora, amante e penitente. O campo da pecadora, da amante era a que dava mais frutos no mundo moderno e contemporâneo. Uma breve pesquisa num motor de busca da internet revela-nos um dos campos onde o nome Maria Madalena mais é usado: a prostituição e a pornografia. Paulo Mendes Pinto (dir. Lic. em Ciência das Religiões)

Publicado por Re-ligare às 03:28
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Domingo, 14 de Setembro de 2008

... e a mula vai à Igreja?

 

O Brasil é mesmo um país próspero em matéria de demandas intrigantes no campo da religião, talvez devido à fértil imaginação do seu bravo povo e à presença do sincretismo religioso. Após ter esfriado a questão envolvendo a formosa moçoila e o crucifixo, o debate atual ferve sobre a polêmica entrada ou não de uma mula em uma igreja.
 
Na Igreja dos Passarinhos, como é conhecida a Paróquia Nossa Senhora das Dores, em Curitiba, Estado do Paraná, outro animal – além dos passarinhos, fiéis habitantes da igreja – pretende se dirigir ao altar. Trata-se da mula “Bela Vista”, pertencente ao Padre Gabriel Figura, que fará parte do cortejo em homenagem ao dia de Nossa Senhora das Dores, a ocorrer em 15 de setembro. Mas a mula apenas deverá sair na procissão, pois, por ordem do arcebispo – que atuou no caso após manifestações contrárias à idéia, por parte de alguns fiéis – ela está proibida de adentrar a igreja, como o padre queria. A Cúria Metropolitana de Curitiba confirmou que o arcebispo da Diocese, dom Moacir José Vitti, conversou com o sacerdote Gabriel para fazê-lo desistir de levar o animal à igreja[1].
 
Em entrevista concedia à Rede Globo de Televisão[2], o padre insiste em, pelo menos, levar a mula na procissão. Nas palavras do padre, a jumenta mereceria melhor tratamento: “Ela é uma mulinha missionária. Ela é evangelizadora, ela é bíblica”[3].
 
O jumento faz parte do contexto religioso cristão. Existem várias passagens bíblicas citando este precioso animal. Ele carregou Jesus em Jerusalém, esteve na manjedoura, falou com voz humana, foi salvo do leão, etc.
 
No Estado da Paraíba, havia um sujeito chamado Damião Galdino da Silva, mais conhecido como “Damião do Jegue”, que fez greve de fome por não obter sucesso ao presentear um jegue – nome popular do jumento – ao Papa João Paulo II, durante a visita deste ao Brasil, na década de 1980[4]. A greve acabou depois da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) ter prometido mandar o animal ao Vaticano[5].
 
Além destes episódios, há um fato atribuído pela Igreja Católica a Santo Antônio: “Conta-se que certa vez, um herege o desafiou para que fizesse o seguinte milagre: uma mula sem comer durante três dias, em praça pública deveria recusar a ração e se ajoelhar diante da Hóstia apresentada por Frei Antônio. Foi aceito o desafio e a mula faminta, cheirou a ração e se dirigiu até o Frei, ajoelhando-se.”[6].
 
No imaginário popular brasileiro existe a Mula-sem-cabeça, ser mitológico surgido de uma mulher que mantinha relações amorosas com um padre. Sua maldição foi transformar-se, em noites de quinta para sexta-feira, em uma mula, cujos cascos eram de prata e soltava fogo pelas narinas. No lugar da cabeça e do rabo da Mula-sem-cabeça arde uma pira de fogo.
 
O filme brasileiro “O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte, conta a história de um personagem, o “Zé do Burro”, que foi impedido de entrar na igreja com uma cruz, para pagar uma promessa feita à uma mãe-de-santo do Candomblé, em prol da cura de seu melhor amigo, o burro “Nicolau”.
 
Como disse o padre Figura na reportagem, “(...) entra o corrupto, pecador ou ladrão na igreja... entra todo mundo”. Não será fácil, portanto, conseguir convencê-lo a desistir. O religioso até já fez um novo prognóstico para entrada da mula na igreja: Dezembro. Quem viver verá!
 
Hugo Alexandre Espínola Mangueira
Aluno do Mestrado em Ciências das Religiões pela UFPB


[1] Conforme reportagem intitulada “Mula em igreja deixa fiéis indignados”, publicada no jornal Paraná Online. Disponível em: http://www.parana-online.com.br/editoria/cidades/news/322268/. Acesso em 13.09.2008.
[3] “Mula cria polêmica em paróquia de Curitiba”. www.g1.com.br. Em 13.09.2008.
[4] As informações podem ser vistas no livro “Damião e o Jegue do Papa”, de autoria do próprio Damião Galdino da Silva.
[6] Dominus Vobiscum. Blog da Canção Nova. Disponível em http://blog.cancaonova.com/dominusvobiscum/2008/06/06/. Acesso em 13.09.2008.
Publicado por Re-ligare às 01:55
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