Sexta-feira, 4 de Janeiro de 2008

Por uma laicização eficaz

 
Possivelmente, muitos dos leitores estarão de acordo no que respeita à necessidade que em no Portugal democrata existe de se proceder a um processo de laicização. Vimos de uma ditadura que deixara imperar uma ideia bem ao gosto luso das meias-tintas, dizendo na Constituição que o Catolicismo era a “religião tradicional” de Portugal, nem a elevando a religião oficial, nem a colocando num patamar semelhante às restantes. Herdeiros dessa franca dificuldade de tratar com tudo o que é religioso, foi-se escassamente legislando, muitas vezes deixou-se que a tal “tradição” fosse ditando as suas práticas.
Assim se passou com a célebre situação do Protocolo de Estado, imagem perfeita da quase unanimidade que existia perante esse facto realmente estranho de uma alta figura da hierarquia católica estar muito acima de grandes individualidades detentoras de importantes cargos públicos e mesmo governamentais. Não me lembro de ter visto o Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, o que só mostrou a dignidade com que desempenha as suas funções, ter vindo à praça pública reclamar o “seu” lugar nos lugares do dito Protocolo de Estado.
Contudo, alguns ensinamentos devemos levar dos erros que alguns nossos antepassados fizeram. Afonso Costa, no ímpeto anti-clerical da revolução de 1910, dizia que em 3 gerações estaria irradicado o catolicismo de Portugal... genial em muitas decisões, neste campo apenas mostrou um profundo desconhecimento do que é o factor religioso. Sete anos depois da revolução republicana, nascia o fenómeno de Fátima, máximo hino a um catolicismo essencialmente rural e sem reflexão teológica.
Tal como não é preciso ser bombeiro para dizer que com o fogo não se brinca, também não é necessário ser religioso para saber que as crenças religiosas são, das instituições humanas, as mais difíceis de alterar. Cimentadas em práticas populacionais de milhares de anos, não se domesticam com decretos.
Mas mais que não se domesticarem com decretos, regra geral, redundam em crasso erro e, muitas vezes, qual efeito de um pêndulo, após uma laicização forçada, surge uma nova corrente que tudo volta a colocar como estava, mas agora também ela num tom fundamentalista. Numa leitura simplista, Afonso Costa foi respondido com Fátima; a Constituição de 1911 foi anulada com Salazar.
As heranças culturais e identitárias da população portuguesa encontram-se, em muito, cimentadas na religião. Gostemos ou não, o reino português nasceu devido a uma aliança com o papado, por exemplo. Muito mais se poderia dizer.
O pior serviço que se pode prestar a uma laicização necessária da sociedade e das instituições nacionais é uma laicização tão forçada que leve a uma reacção de fechamento daqueles que se sentem visados.
É o respeito o princípio que deve pautar um necessário processo de laicização. Não tenhamos dúvidas: se neste campo se fugir ao consenso, mais tarde ou mais cedo surge um governo conservador que tudo voltará a colocar como antes. Com uma simples agravante: tal como em relação a Afonso Costa, político e estratega de rara inteligência, aos agentes dessa laicização forçada será lançada uma damnatio memoriae... isto é, em linguagem religiosa, serão demonizados.
Estranha forma esta a de se passar à História... má forma de se conseguirem os objectivos.
                       
Paulo Mendes Pinto
(Director da Lic. em Ciência das Religiões, na Un. Lusófona)
 
Publicado por Re-ligare às 09:40
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3 comentários:
De Luís Alves de Fraga a 22 de Janeiro de 2008
Passei por aqui, li e reparei que da primeira vez que se refere a Afonso Costa lhe chama António Costa.
É um lapso terrível, porque juntou os nomes das duas figuras que marcaram mais fortemente a República até aos nossos dias: Afonso Costa e António de Oliveira Salazar!
Isto há cada lapso!!
De Re-ligare a 30 de Janeiro de 2008
pois é... há gralhas tramadas!!!! vou já alterar.Obrigado e um abraço,
pmp

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