Terça-feira, 28 de Dezembro de 2010

E se a Banca adoptasse todos os sem abrigo de Portugal?

 

Um desafio para 2011

 

E se a Banca adoptasse todos os sem abrigo de Portugal?

 

Como pode uma hierarquia cristã católica preocupar-se tanto com a pobreza em Portugal e temer explosões sociais em 2011, sem que se tenha primeiro despojado de todos os símbolos do poder dourado que ostenta, seguindo o exemplo de alguém que, sendo de natureza divina, rico, se fez ser humano, pobre?

 

“I Saved The World Today” (Eurythmics)

As gerações destes últimos 70 anos parecem-me gerações perdidas, sem líderes à altura, em cargos públicos ou privados, seja na política, na economia como nas igrejas ou nas organizações da sociedade civil. As famílias e as escolas ainda hoje desconhecem que o que se deve estudar e aprender, como primeira e última missão do género humano, é a cooperação solidária entre seres, e que por isso, quem acaba por nos governar, em idade adulta, não consegue ser mais que demagogo, retórico egocêntrico, incapaz de perceber, porque surdo e cego aos sinais dos tempos e sem que alguma vez tivesse verdadeiramente sofrido na sua pele, a dureza da vida, que a governação se testemunha com o corpo.

Viajam para fora e dentro do país, criam os mais variados roteiros, visitam instituições, fazem promessas, dizem que são genuínos e independentes, com os media sempre a trás, sem perceberem que nada existe de isento, em qualquer sector, e a inutilidade dos seus gestos – porque tal como dizia Almada Negreiros – hoje é sobretudo urgente salvar o mundo, depois de já tanto se ter teorizado sobre a sua redenção.

E se, neste processo, ainda houvesse alguém que tivesse que conhecer a situação real do país ou estudar sobre como abordá-la, faça-o pessoalmente, fora do exercício de poderes conferidos, em silêncio, sem cortejos, romarias e alaridos carnavalescos. E acredito que, ao fazê-lo, irá certamente perceber que quem deveria envergonhar-se, diante do escandaloso nível de pobreza em que nos encontramos, não são os portugueses no geral, mas quem desperdiçou, abusou e fez um péssimo uso de dinheiros públicos ao longo de mais de três décadas. Mas como a vergonha se perdeu ou nunca foi, infelizmente, um problema entre quem governa, pois nunca se deixa de andar por aí, de cara destapada, impõe-se sancionar e proibir o exercício de cargos de elevada importância pública ou privada a quem trai a confiança, a riqueza e o património de uma comunidade ou um povo.  

 

“Open Your Eyes” (Salman Ahmad of Junoon & Peter Gabriel)

O acesso a bens e serviços não se faz com as sobras de ninguém, com o que resta da opulência de uns, da caridade de outros ou da oferta do que lá em casa, nos guarda-roupas e despensas, passou de moda, de validade ou deixou de ser necessário. Não são as sobras, os excedentes ou a recolha dos mais variados bens a solução dos problemas de quem se vê privado dos seus direitos e do dever de participar na transformação do seu país, porque estes, ainda que se justifiquem como necessários, farão sempre parte dos comportamentos que, de forma elegante, violam direitos. Por outro lado, importante também sublinhar que o país não precisa de “opinadores”, de comentadores diários ou de fim de semana, mas de trabalho, de alojar quem vive ao relento, de cuidar seriamente de quem sofre no corpo e na mente, de responder com as melhores soluções às dificuldades de milhares de jovens e idosos, em situação de pobreza, para quem a escola, um primeiro emprego ou uma refeição quente se tornaram impossíveis, e a morte se prefere e deseja diante da falta de pão e da mais cruel solidão e abandono.

 

 

 

“Pequeno T2” (Ricardo Azevedo)

Num virar de página, e com a possibilidade de fazermos de 2011 uma construção que não repita os erros do passado, acabar com a situação de pessoas sem abrigo estará sempre ao nosso alcance. O sentimento de inutilidade é o que mais pesa nas pessoas que perderam o seu emprego e acabaram na rua. Sem que, nalguns casos, as dependências de qualquer tipo ou as doenças, sobretudo do foro psíquico, as tivessem aprisionado, procuram trabalho e um espaço que possam chamar de seu, onde lhes seja permitido privar com amigos, familiares e até desconhecidos. A gestão de casos, a mera ocupação de tempos livres ou a formação, ainda que financiada e com bolsas para os formandos, que não levem à empregabilidade de quem hoje, em idade activa e com saúde, se sente inútil, são um desastroso e irresponsável investimento e um verdadeiro atentado à dignidade humana. Cabe às organizações no terreno, com o apoio do Estado, das empresas e de milhares de cidadãos activos e voluntários, a criação de pequenos negócios capazes de oferecer, a quem neles trabalha, a sustentabilidade que é fundamental ao integral desenvolvimento humano. Só com uma séria e efectiva capacitação profissional, a criação de trabalho e de riqueza, democraticamente distribuída, conseguiremos quebrar este estado de pobreza permanente, proporcionando aos portugueses uma vida autónoma, livre da humilhação da subsídio-dependência.

Há quem continue a oferecer a pessoas sem tecto ou sem lar, a venda de uma revista de rua, quem vá lavar carros a seco, quem aposte na transformação de resíduos de uma grande empresa, na recuperação da profissão de engraxador e quem prepare a venda de fruta e iogurtes à peça, em horas de ponta, como há quem lute pelo fim dos desumanos sítios de pernoita ou dos albergues nocturnos, a favor de uma habitação onde se possa reaprender a viver com qualidade ou a cuidar de quem nunca poderá viver por conta própria, porque física ou mentalmente incapaz. E terá que ser este, o caminho, porque é de facto urgente por um ponto final na pobreza e salvar o mundo, perto de nós.

 

Together We Stand, Divided We Fall (in Hey You, The Wall – Pink Floyd)

Nada ou muito pouco conseguimos, agindo sozinhos. 2011 terá que ser inevitavelmente pensado e concretizado em uníssono, e em diálogo com todas as forças, sem excepção. A quem pode e tem mais, pedir-se-á mais, mas mesmo aqui, as “únicas calças” de quem é pobre serão necessárias para que a multiplicação aconteça e o país se vista com uma outra roupagem. À Banca, às suas famílias, de quem frequentemente se diz serem detentoras ou donas de Portugal, e que tantos dividendos têm com os investimentos de milhares de portugueses, não deixamos apenas o dever a que o Estado Português obriga, mas o desafio de se tornarem cada vez mais num movimento de capitalização e investimento ético, a favor do bem-estar da comunidade e de todos os que a compõem.

E que grande diferença faria se, em 2011, cada Banco, a operar em território português, decidisse adoptar 10 pessoas em situação de sem-abrigo.

 

Diante deste possível cenário, concluo dizendo que o que faz falta a Portugal não é o que não temos, até porque temos o que é preciso e necessário, mas o testemunho corporizado em práticas de capacitação, habitação e trabalho, de uma vontade político-económica, que decidiu finalmente cooperar e ser solidária.   

 

 

 

CAIXA

 

E que grande diferença faria se, em 2011, cada Banco, a operar em território português, decidisse adoptar 10 pessoas em situação de sem-abrigo.

 

 

Henrique Pinto

Director da CAIS

Prof. em Ciência das Religiões

Publicado por Re-ligare às 15:07
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