Ninguém é dono de si.
Os filhos não nos pertencem.
E por mais que se inventem e multipliquem
substitutos do cordão umbilical,
a nenhuma torre de controlo,
a nenhum governo,
a nenhuma mãe ou pai-galinha
pertencem ou reportam, submissos,
o pensar e agir de quem nasce de um ventre de argila.
Como Deus escapava
por entre os dedos de uma criança africana,
cada vez que esta tentava agarrá-lo no seu bolso,
assim a realidade,
transbordante, viscosa e fugaz,
se resiste e foge de si,
numa desamarrada,
sem norte,
e incondicional afirmação de liberdade.
Ter-se-á pensado, por um instante,
que segura,
a vida poderia, um dia, morrer de velha.
Havia abundância, dinheiro, trabalho,
um planeta…
ou um universo inteiro a consumir.
Ciência e tecnologia…
não tinham ainda neutralizado a morte,
mas anunciavam, nos media, o seu adiamento,
conquistas surpreendentes, imparáveis,
dia após dia.
O colapso de que hoje todos se queixam,
ou o presente desabar
de uma ilusória e insustentável seguradora,
não é um erróneo desvio de um normal curso das coisas.
Ambígua e vadia,
a vida sempre se olhou e fugiu de si, em pés de barro.
Por isso,
ao saírem à rua,
talvez não seja tanto a dureza e a incerteza de um presente-futuro
o que congrega, em protesto, o grito de tantos pais e filhos.
Não é a condição de vaso de greda
o que o cantar de crianças pela mão
denuncia e contesta, lá fora,
mas a diminuição, no seio da vida,
de níveis de justiça, bondade e compaixão,
ou a falta de Pietà,
daquela fundamental loucura divina que gera sustentabilidade,
e faz com que nenhuma mãe desista do filho,
sustendo-o, aconchegando-o… sofrendo-o, vezes sem conta,
ainda que nunca venha a entendê-lo,
e lhe escape sempre da mão.
Henrique Pinto
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