Segunda-feira, 12 de Maio de 2014

A Igreja não é o Papa, mas...

Na história da Igreja e das religiões em geral, há que distinguir a vivência dos crentes em relações de proximidade, das estruturas e/ou líderes que à distância definem e preservam os «cadernos» doutrinários, quando os há. As duas dimensões cruzam-se e legitimam-se num «jogo» de (des)obediências e (des)lealdades. Entre a realidade e a ideia, nem sempre coincidem. Na verdade, raramente coincidem.

 

Se a Igreja não é o Papa, como o Papa não é a Igreja, a manifestação de fé experimentada há uma semana enquadra uma Igreja católica ainda compreensível a partir da cadeira de Pedro. A linguagem mediática, emotiva e consensual, arrasta estereótipos e impõe códigos de compreensão. A comunicação é uma “ciência sagrada”, diz o cardeal de Nova Iorque Timothy Dolan, um comunicador experiente. A popularidade do Papa é determinante para o catolicismo.


As canonizações simultâneas de João Paulo II e João XXIII sustentam esta dependência em relação à figura de um papa comunicador e popular, mas têm uma leitura que vai além do imediato.


Sem um segundo «milagre» a encerrar o processo, a canonização de João XXIII foi uma opção pessoal de Francisco num acentuado processo de humanização do papado, que destaca as virtudes da vida concreta. Impulsionador da modernização da Igreja no século XX, o papa Roncali atravessa cinco décadas para se fazer presente num pontificado empenhado em atualizar a Igreja. Atualizá-la e reconciliá-la consigo própria, pelo conteúdo e não apenas pela imagem.


Não devemos comparar tempos diferentes e diferentes circunstâncias, mas é o papa Francisco que, ao decidir canonizar em simultâneo os dois antecessores, promove a análise comparativa. Independentemente dos trilhos interpretativos, e sem entrarmos na contextualização, a Igreja não teria um João Paulo II, um João Paulo I ou um Paulo VI, se não fosse um João XXIII. É um facto. Como não teria um Bento XVI cerebral e «mal-amado» pela imprensa, se não fosse um João Paulo II emotivo e ultra-mediático.


Cada um destes papas é uma sequência determinada pelas circunstâncias – políticas, religiosas… –, a resposta a um mundo em rápida, desconcertante e permanente mudança nos últimos 50 anos, como se intuía no Concílio Vaticano II, cuja dinâmica é imparável.
Um século marcado pela guerra e por ditaduras, mas também pelas liberdades e pela nova «teologia» dos direitos humanos, produziu papas empenhados na paz e no diálogo.   Ação do Espírito, dirá a tradição. Terá faltado a mesma abertura para o diálogo interno após o Concílio Vaticano II, o salto da prudência para o discernimento.


Não deixa de ser curiosa a notícia da beatificação de Paulo VI. A confirmar-se, é outro momento sem precedentes na história da Igreja de Roma. Três Papas que se cruzaram, elevados aos altares numa mesma geração. Paulo VI foi o papa que conduziu o Concílio Vaticano II – a maior revolução da Igreja no século XX, desencadeada pelo papa João XXIII, agora feito “santo” pela mão de Francisco. Teve um papel político determinante. Foi o primeiro a viajar pelo mundo. O primeiro a visitar Fátima. Recebeu no Vaticano movimentos independentistas de África e apoiou a democracia cristã italiana, de centro-esquerda. Foi também o papa que assinou a encíclica Humanae Vitae, que fixou a rígida doutrina sobre a procriação e a contraceção.


Falta reabilitar João Paulo I, o ousado papa do sorriso e da simplicidade. Teve um pontificado demasiado curto, mas suficiente para lançar uma insanável especulação. Se Francisco correspondeu a uma expectativa. João Paulo I criou essa expectativa. O que seria hoje a Igreja e o mundo se o papa Luciani tivesse tempo?


Vindo de um país marcado pelo totalitarismo soviético, o papa Woytila fez do pontificado um palco estruturante do catolicismo contemporâneo, na defesa da liberdade religiosa e política, da dignidade humana. Com as armas da modernidade, no dealbar das redes, reforçou uma identidade moral, não necessariamente coincidente com a prática dos fiéis. Apesar do «vulcão» mediático, não foi capaz de impedir o acelerado afastamento dos templos e da vida cultual. Cavou-se um fosso entre interpretações doutrinárias e no terreno da experiência de fé, cada vez mais condicionada pelo individualismo. Surgiram divisões, segregações, ergueram-se barreiras e incompreensões à sombra de mecanismos de poder. A resignação do papa Ratzinger é interpretável também neste contexto.

   
Se a Igreja é para o mundo, os desafios que a Igreja enfrenta são os desafios do mundo. Guardião da doutrina e da tradição, mas tendo, por via da secularização, deixado de ser referência exclusiva nas estruturas do pensamento, cada um destes pontificados deve ser lido a partir desta «verdade e consequência»: Os papas são homens com uma história pessoal moldada pela fé, que ao mesmo tempo têm de interagir com as circunstâncias históricas, com os sinais do tempo, de cada tempo.


O sentido da atualização do papa Bergoglio, estará a retomar a intuição – aggiornamento – de João XXIII. Tornar a Igreja mais inclusiva com a dinâmica da misericórdia e elevar o discurso social. Neste sentido, diante de uma Europa politicamente fragilizada, potenciado pela simplicidade e pela coerência, sem uma estratégia mediática convencional, Francisco ocupa um quase vazio. E enquanto tremem alicerces, não falta na Igreja quem faça uso estratégico da espontaneidade do papa argentino, jesuíta de formação. Para o exaltar ou para o diminuir, entre o entusiasmo e a recusa, com mais ou menos subtileza.

 

Por: Joaquim Franco

Jornalista e investigador da Área de Ciência das Religiões

Texto publicado na SIC Online



Sugestões de leitura: Francisco – Vida e Revolução (Esfera dos Livros) de Elisabetta Piqué; D. José Policarpo, uma voz tranquila no palco da democracia (Paulinas) de António Marujo e Jorge Wemans.

Publicado por Re-ligare às 16:25
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Sábado, 22 de Agosto de 2009

Peccatrix, meretrix e redentora: os significados de Maria Madalena

Se há santo no cristianismo com um lugar claramente ambíguo, esse santo é Maria de Magdala, festejada em pleno mês de Julho (dia 22). Os evangelistas referem-na (com a normal confusão de não se saber se as referencias são apenas a uma mulher ou a duas homónimas) 11 vezes. Apesar de termos tão poucos dados sobre a sua vida, a sua forma de estar, estamos perante um dos personagens que mais imaginação despoletou na cultura ocidental. Longe do que viria a ser o canon do lugar da mulher na igreja, Maria Madalena ocupa, ao lado de Maria, um lugar de grande proximidade a Jesus. Se uma era a mãe de Jesus, a outra... diz-se que participava da mais velha profissão ao cimo da terra. Pior curriculo não poderia ser apresentado para almejar um lugar no seio do grupo do messias. E, todavia, tinha-o. Não foi banida da história, foi usada em fases muito específicas em que a sua duplicidade trazia francas vantagens. O desprezo medieval pela sexualidade feminina é compensado pela crescente valoração de Maria Madalena, a prostituta arrependida, aquela a quem Cristo primeiro aparecera depois de ressuscitado, aquela que de meretrix passara a co-redentora. A piedade medieval, do fim da Idade Média, fez de Maria Madalena a Santa mais popular da história; Maria de Magdala é o resultado da síncrese de várias divindades: Maria Madalena, Maria de Betânea e ainda Maria Egípciaca. Em todas, a tónica é a da mulher que, pelo seu esforço e piedade, expiou os seus pecados, ou lhe foram perdoados directamente por Cristo. A Maria Madalena elaborada na Idade Média é a filha pródiga reencontrada, a virtude, a imagem perfeita de uma cristianização total Europa. Em Portugal são 67 as paróquias com esta santa como orago. A origem do culto em Portugal deve ter origem em dois santuários franceses muito em voga nos séculos XI e XII. Fora lá que a Santa, pela tradição, evangelizara, e se tornara eremita. Pois é também de França que vem, e não só para Portugal, uma das principais armas do novo papado empenhado na reforma Gregoriana, a profunda e definitiva evangelização da cristandade: Bernardo de Claraval. Mais, das nascentes Ordens Mendicantes, em pleno século XIII, uma escolherá Maria Madalena para seu patrono: os Dominicanos. Se tomarmos atenção à distribuição dessas 67 paróquias, vemos que o culto se localiza quase exclusivamente acima da linha do Tejo, mesmo as excepções não estão abaixo da linha da foz desse rio (Monforte e Portalegre). Verificando as várias levas, fases, de forais atribuídos durante a chamada Reconquista Cristã, há uma clara coincidência entre a estratégia de organização do espaço de D. Afonso Henriques, e de D. Sancho I, e a implementação do culto a Maria Madalena; ou melhor, até à descida para a linha do Tejo, a implementação do culto de Maria Madalena pode ter acompanhado a geral organização do território conquistado. Há uma coincidência cronológica e de implantação no terreno com os dois primeiros reinados portugueses; há ainda a notar que, apesar de ser um culto apenas localizado no centro e Norte do pais, a sua implantação tem, decerto, a ver com uma adaptação a meios não muito isolados, e com algum dinamismo comercial. O apoio que o papado dá ao nascente reino coincide com o crescimento do culto desta santa em França, com o nascimento das ordens mendicantes e com o nascimento do seu culto em Portugal. Tão útil para cristianizar em tempo de reconquista, de evangelização, Maria Madalena sempre ocupou um outro fascínio na nossa cultura: o pecado e não a redenção. Em 1768 era lançado um edital que proibia o livro Madalena, pecadora, amante e penitente. O campo da pecadora, da amante era a que dava mais frutos no mundo moderno e contemporâneo. Uma breve pesquisa num motor de busca da internet revela-nos um dos campos onde o nome Maria Madalena mais é usado: a prostituição e a pornografia. Paulo Mendes Pinto (dir. Lic. em Ciência das Religiões)

Publicado por Re-ligare às 03:28
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Sexta-feira, 12 de Setembro de 2008

Ordens monásticas poderão regressar

A carta que Bento XVI endereçou à Igreja Católica na China continua a dar
frutos. Terá sido em parte por ela, e pelo diálogo que abriu, que Pequim
permitiu a ida de oito padres católicos chineses para a Alemanha, onde
experimentaram a vida monástica durante um curso que se realizou num
mosteiro beneditino.
A China proibiu todas as ordens monásticas masculinas durante a revolução
cultural, mas esta iniciativa poderá indicar alguma abertura no sentido de
permitir que estas regressem. Algumas ordens femininas já operam no país.
Jeremias Schröder, o abade do mosteiro de Santo Otílio, onde os oito
chineses estiveram hospedados, disse mesmo que a carta do Papa tinha sido
"da maior importância" para possibilitar esta experiência.
O gesto do Governo chinês parece indicar alguma vontade de melhorar as suas
relações com a Igreja Católica. Contudo, o clima de perseguição não
desapareceu por completo. No último dia dos Jogos Olímpicos o Bispo Julius
Zhiguou, da Igreja clandestina, terá sido detido pelas autoridades sem que
se saiba nada sobre o seu paradeiro.
 

Sofia S.

aluna do 2º ano da Lic. em Ciência das Religiões

*Fontes*: Agencia Lusa, RFM Online, Renascença Online.

Publicado por Re-ligare às 13:28
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