Segunda-feira, 14 de Abril de 2014

Lógicas e tendências da aprendizagem do árabe e das aproximações e conversões ao Islão

 

 

As diferentes razões para aprender o árabe são observáveis tanto nas motivações dos elementos das turmas, como na própria estruturação dos cursos de árabe da comunidade islâmica de Lisboa. Estes cursos ramificam-se, a partir de certa altura, em três vertentes: “Corão”, “Traduções” e “Speaking”, o que demonstra que há várias tendências para a aprendizagem do árabe. De facto, há uma lógica empresarial de aquisição de competências e enriquecimento de currículo. Há também uma tendência ligada às humanidades (que estão a passar um “mau bocado” neste mundo), ao gosto de estudar as Religiões, as culturas, as línguas. O árabe que aprendemos é, no entanto, um árabe “de rua”, que não tem o detalhe do árabe da recitação corânica que já nos leva para a dimensão de procura religiosa que se traduz em aproximações e conversões ao Islão.

            Quanto às conversões, há, a nosso ver, muito que se lhe diga, seguindo a nossa reflexão anterior sobre “personalidade e anonimato”.

            Existem vários níveis naquilo que poderíamos chamar de “conversão intercultural”, neste caso da conversão de portugueses e portuguesas, ocidentais, ao Islão. Um nível específico prende-se com questões matrimoniais e da conversão por motivos de casamento com um muçulmano ou com uma muçulmana.

            Depois temos um nível, que é mais periférico, sobre o qual nos iremos agora deter um pouco. É o nível de quem é aliciado por elementos de enriquecimento da personalidade, por adornos culturais ou estéticos com os quais se deseja identificar e revestir.

            Ora, este nível periférico tem pés de barro. Em primeiro lugar porque o sujeito procura enriquecer a sua personalidade com elementos exóticos de cariz religioso. Só que a religião é precisamente uma via de submissão dos elementos da personalidade a uma ordem que os “arruma” mas que em certa medida os aniquila (“mort avant mourir”, vide Schuon. Fr.). Procuramos portanto revestir-nos com uma religião que é ordem de desnudamento, aniquilação e submissão. E por isso mesmo, de Paz e Liberdade.

            Pode haver desajustes face à sociedade laica moderna ocidental que radiquem em desarrumações psicológicas e que levam a busca do Islão enquanto alternativa de vida. Esta é uma questão delicada, pois o desequilíbrio psíquico e certas sensações de “estrangeirismo” face ao Ocidente não são os melhores motivos para buscar o Islão. No entanto compreende-se esta situação devido aos tremendos efeitos da educação (ou formatação) laica Ocidental.

            Quanto a um outro nível, central, do verdadeiro chamamento de devoção do crente, como é óbvio, sobre esse nível, e em sintonia com a conhecida afirmação de Wittgenstein, nada diremos.

                

Francisco Ferrro

(francisco_ferro@sapo.pt)

Publicado por Re-ligare às 15:17
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Quinta-feira, 10 de Abril de 2014

O anonimato na oração do Islão, elucidações sobre a questão da personalidade

A oração comunitária, assim como a noção de submissão a uma lei transcendente apontam para uma dimensão de anonimato presente no mundo islâmico, que encontra paralelo em vários outros contextos religiosos e Tradicionais.

Não é apenas a partilha fraterna, no pátio da mesquita que denúncia os falsos preconceitos com que um certo Ocidente olha o Islão, é sobretudo a fraternidade forte do momento da oração enquanto evidência de sermos, perante Deus, um homem entre os homens e já não alguém especial, no fascínio narcísico e egoísta que se tornou normal na sociedade.

A questão do anonimato e da personalidade, que é levantada pela participação na oração comunitária dos muçulmanos é crucial para entender as diferenças de lógica (e de “jeito”) entre o dito “mundo moderno Ocidental” e o mundo Islâmico. Pois, num mundo e noutro, a “tónica daquilo que mais importa na vida”, não é depositada no mesmo lugar.

Se o mundo moderno urbano coloca o enfâse na personalidade, naquilo que temos de caprichoso, que sai da norma e em constructos estéticos, mentais, psíquicos e fantasiosos com que nos vamos vestindo e revestindo. É como se o Islão nos dissesse: “não, a Vida autêntica não se encontra no que tens de especial, no que te salienta da massa humana (ou que julgas salientar), a Vida autêntica encontra-se numa simplicidade em que o que és enquanto persona conta muito pouco”. Os caprichos, as ambições, as identificações, tudo é varrido pela sharia e a verdadeira Vida é encontrada não nos palcos e “passe reles” deste mundo, mas sim onde já não está ninguém, onde apenas, tal como os outros, se está em silêncio perante a lei.

Há duas questões práticas em torno da simbólica da oração de sexta- feira que importa aqui referir enquanto exemplos a usar nesta redefinição dos conceitos de anonimato, submissão e liberdade.

Uma delas diz respeito à sonoridade da recitação do Alcorão. Uma leitura ondulante e forte, mas calma e serena. Como se a Beleza da Vida intensa não fosse perturbada por “emocionalismos” pessoais e mesquinhos, nem pela agressividade dos desejos pessoais e passionais, mas a mensagem se transmitisse para além de tudo isto que costuma definir a personalidade do ser humano e que é o que mais abunda nas televisões e espectáculos do mundo.

A outra questão diz respeito à simbologia dos sapatos, casacos e mochilas deixados à porta que tem que ver com a questão da personalidade mas também com a noção civilizacional de paz. No fundo, aquilo com que nos identificamos, o que nos habituámos a ser, o que pretendemos atingir e ter… fica à porta. E, num plano mais prático, cria-se uma situação comum: todos deixaram os sapatos à porta e, naquele momento, não há preocupação de que alguém os roube. De facto, na oração Islâmica de sexta feira existe um clima de autêntica paz que contrasta com a noção que por vezes se forma sobre o mundo Islâmico. O que leva também a interrogarmo-nos sobre aquilo a que costumamos chamar paz e que não é mais senão o espaçamento entre guerras, durante o qual cada um quer ser mais do que os outros e afirmar-se e distinguir-se. Ora, o que a sexta –feira na mesquita demonstra é algo diferente, paz de um cumprimento de uma condição comum. Distinta, no entanto, da ideologia.

Encontramos na mesquita muito imigrantes Guineenses e Moçambicanos com carências materiais extremas. Com preconceito, o mundo Islâmico é muitas vezes conotado com uma violência extrema. No entanto, nesta confraternização de sexta-feira sente-se um clima de paz verdadeira que a mentalidade capitalista, nacionalista, liberal, desconhece e despreza e rejeita.

Os muçulmanos recebem bem quem queira participar nas orações de sexta-feira, mesmo não sendo muçulmano. Sentirá por certo este apelo de uma paz que seja mais pacífica do que a paz moderna, da luta das paixões voláteis, dos desejos mesquinhos, das más intenções desregradas.

“Os fundamentalistas não são representantes do Islão” dizia-me um português recém-convertido, ao saber pelo telefone que, no aeroporto, o filho e a nora tinham sido revistados por ela ir de lenço. São os preconceitos de uma civilização que coloca a tónica do que realmente importa não na Vida fraterna e verdadeira, mas sim naquilo que em nós é ilusão: a propriedade, o estatuto, o currículo, o poder (convencionado), a ganância, a carreira, a ambição.

                    

Francisco Ferrro

(francisco_ferro@sapo.pt)

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