O corpo feminino na Arte e na Religião
Detalhe do Cruzeiro do Castelo de Viana do Alentejo.
A questão surgiu neste blog a propósito dos comentários a uma fotografia erótica associada a um símbolo religioso[1], mas a discussão ficou presa à reacção (reacção essa que amplificou a importância de um episódio que pouco significa em termos estéticos e, decorrentemente, menos ainda em termos éticos).
O interesse maior situa-se assim não no significado da fotografia referida mas na reacção que ela suscitou. E essa manifestação ocorre, e de forma significante, até mesmo no espaço deste blog (perfilhando um prisma que se pretenderá científico).
A definição do que é um “prisma científico” é, desde já, problemática, instável, mas não impossível. Colocando de uma forma algo simplista, creio que este deve obedecer a alguns critérios: deve ser “experienciável”, deve poder ser partilhado e deve manter um carácter não dogmático (podendo ser confirmado ou rejeitado).
Voltando à questão inicial, da tensão criada entre liberdade e religião, neste caso, entre a liberdade de expressão e o respeito ao valor simbólico dos ícones religiosos, essa tensão começa com a apreciação que se estabelece entre a sexualidade e a sua manifestação estética - o primeiro parágrafo deste texto veicula, de certa forma, uma valoração estética negativa, mas poderia ter recorrido à fórmula oposta (citando material deste mesmo blog: “a menina mostrou o que é seu, o belo corpo ...”).
O problema não será estritamente religioso (nem, efectivamente, essencial). Há outros problemas do mesmo cariz e, creio, mais relevantes (no âmbito da relação entre religião e sexualidade) como, por exemplo: da possibilidade ou não de mulheres exercerem o sacerdócio; da possibilidade ou não do casamento para os sacerdotes; dos casos de pedofilia envolvendo sacerdotes, etc.
A ideologia veiculada pela religião, nomeadamente a cristã (e, mais especificamente, a católica), conserva um conflito não resolvido com a questão da sexualidade. É uma área tabu, também presente em outros quadrantes religiosos (como o Islão), onde o papel regulador dos comportamentos desempenhado pela religião aparece de forma evidente.
O desnudar do corpo ganha então uma significação especial: não seguir uma determinada prescrição da sociedade assume uma dimensão de liberdade (mesmo que ilusória). Confronta-se o poder sancionatório da sociedade através da contradição às regras morais dominantes.
Confronta-se assim o próprio Poder. E uma questão acessória torna-se, pelo valor simbólico do confronto, uma questão essencial, por exemplo, se a considerarmos sob o ponto de vista da igualdade de direitos entre homens e mulheres. Da burqa e do xador islâmicos à nudez plena, o direito da mulher à liberdade de decidir sobre o seu próprio corpo é posto em causa pelos ditames religiosos[2]. Esticando um pouco a questão, podemos chegar ao problema da utilização de contraceptivos, da relação pré-nupcial ou da interrupção da gravidez ... Exagero, poderão alguns considerar, pois apenas se questionava a sobreposição de símbolos (do nú com o crucifixo). Mas está dentro da mesma linha de problematização: a do papel da religião como instrumento regulador dos comportamentos sociais no âmbito da sexualidade (e querendo esticar ainda mais o tema, que é como as cerejas – tira-se uma e vem sempre outra agarrada – chegávamos a Freud ... e à mensagem que a Virgem do Leite nos proporciona).
Alexandre B. Weffort
[1] Publicada no Brasil pela revista Playboy e objecto de censura pela justiça brasileira.
[2] Não esquecendo que, no caso da revista referida, trata-se de um aproveitamento comercial do símbolo sexual. A imagem da mulher subordina-se, nesse caso, ao processo de mercadorização que domina a sociedade moderna.
. Site Oficial da Área de Ciência das Religiões