Domingo, 21 de Setembro de 2008

2ª Carta a Alexandre Weffort - 2ª Parte

 

II

 

Sri Aurobindo, criador do sistema Integral Yoga, diz-nos:

 

«Nós falamos da evolução da Mente na Matéria, mas evolução é uma palavra que simplesmente constata o fenómeno mas não o explica. Porque parece não haver razão que justifique a Vida tenha de se desenvolver fora dos elementos materiais ou a Mente fora da forma viva, a não ser que aceitemos a solução da Vedânta[1] que propõe que a Vida já está envolvida na Matéria e a Mente na Vida, porque fundamentalmente a Matéria é uma forma de Vida velada e a Vida uma forma de Consciência velada. Então, não haverá muito a objectar se dermos um passo mais, e afirmarmos que a consciência mental possa, ela própria, não ser mais do que meramente uma forma e um véu de estados mais elevados que estão para além da mente. Nesse caso, o inultrapassável impulso do homem em direcção a Deus, Luz, Bem-Aventurança, Liberdade, Imortalidade, ocupa o seu devido lugar como o impulso imperioso pelo qual a Natureza procura evoluir para além da Mente, o que parece ser tão natural, verdadeiro, genuíno como o impulso em direcção à Vida que ela plantou em certas formas de Matéria, ou o impulso em direcção à Mente que ela plantou em certas formas de Vida... O próprio homem, pode muito bem ser um laboratório vivo e pensante no qual e do qual ela deseja a cooperação consciente para produzir o super-homem, o deus. Ou será que não deveremos dizer, manifestar Deus?»[2] A ideia que o impulso para a Transcendência é uma força primária e omnipresente, mesmo que maioritariamente escondida, tem sido apregoada nos nossos dias por um grande número de psicólogos, principalmente desde o advento da Psicologia Transpessoal e da Psicologia Integral (de Ken Wilber).

Referindo-se a esta “força” como o projecto Atman, Ken Wilber afirma:

 

«Desenvolvimento é evolução; evolução é transcendência... e transcendência tem como o seu alvo final Atman, ou a derradeira Unidade de Consciência em (somente) Deus[3]. Todas as viagens são um subconjunto daquela Viagem Maior; todos os desejos e vontades são um subconjunto do Querer maior; todas as acções são um subconjunto da Acção maior. O movimento total é o que chamamos o projecto Atman: o movimento de Deus para Deus, Buddha para Buddha, Brahman para Brahman, levado a cabo inicialmente através da psique humana como intermediária, que tem como resultado o intervalo que vai do catastrófico ao extático».[4]

 

III

 

O impulso em direcção imanência/à transcendência parece pois ser intrínseco à Vida Manifestada, logo também à Vida[5] no estágio humano. Manifesta-se não só pela busca espiritual (logo religioso) da humanidade, mas também nas aspirações da ciência, da tecnologia, da filosofia, da teologia e da arte. Isto pode nem sempre parecer óbvio, especialmente em áreas que – a ciência contemporânea por exemplo – “ansiosamente” procura negar quaisquer associações com o pensamento metafísico, embora, simultaneamente, prestem homenagem aos ídolos[6] conhecidos como Cepticismo e Objectividade.

Hoje em dia as raízes metafísicas do Ser irrompem na ciência, tornando-se visíveis, amplificando a física, que se “viu” quântica, corroendo a ideologia materialista que tem sido a doutrina e a crença de muitos, senão da maioria dos cientistas nos últimos duzentos anos. De facto, físicos de vanguarda, tais como David Bohm e Fred Alan Wolf formularam amplas interpretações da Física Quântica, sobre a estrutura do Mundo Manifestado[7]: O Universo é um todo e, no domínio do Plano Físico Denso, um inimaginável mar de energia – «espuma quântica» – no qual, formas diferenciadas – coisas – aparecem e desaparecem, possivelmente por toda a eternidade. A este propósito, escreve Gary Zukav:

 

«A Mecânica Quântica, por exemplo, mostra-nos que não estamos separados do resto do mundo, como anteriormente pensámos. A Física das Partículas revela-nos que o “resto do mundo” não permanece ociosamente sentado “lá fora”. É um reino cintilante de criação contínua, de transformação e de aniquilação. As ideias da nova física, quando integralmente compreendidas, podem produzir experiências extraordinárias. O estudo da Teoria da Relatividade, por exemplo, pode produzir a extraordinária experiência de que o tempo e o espaço são somente construções mentais».[8]

 

Termino por agora. Na próxima Carta irei bisbilhotar, tentando abrir uma nesga da porta que poderá dar acesso a uma abordagem antropológica e psicológica integral, segundo uma leitura da Philosophia Perennis.

 

 

Um Abraço

António



[1] Que significa o “fim dos Vedas”, designando um corpo de ensinamentos espirituais ligados aos Upanishades, que constituem a parte da Revelação Védica. Assim, e segundo a Vedânta, existe uma só Realidade à qual estão subordinados todos os seres finitos e todas as “coisas”, embora várias das suas escolas proponham diferentes respostas no que diz respeito ao modo como os Muitos estão ligados, relacionados com a Singularidade.

[2] Sri Aurobindo, The Life Divine, Pondicherry, Índia: Sri Aurobindo Ashram, 1977, Vol. 1, pp 3-4.

[3] Não segundo um ponto de vista Teísta.

[4] Ken Wilber, The Atman Project: A Transpersonal View of Human development, Wheaton, III, Theosophical House, 1980, p. ix.

[5] Vida, Consciência, Sat – Cit - Ananda.

[6] Do Grego Eídolon, imagem.

[7] Sobre a realidade do Plano Físico Denso, que é convergente em muitos aspectos com várias Tradições, que irradiaram de uma Tradição, dita Primordial para este Ciclo de Manifestação.

[8] Gary Zukav, The Dancing Wu Li Masters: An Overview of the New Physics.

Publicado por Re-ligare às 16:38
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