É bem provável que se saiba que um grupo, aparentemente muito heterogéneo, se reuniu por estes dias num hotel de Lisboa, perto da EXPO, para um simpático almoço de festas (não direi almoço de natal, não tendo a certeza de que todos os presentes festejem a quadra). A verdade é que o evento sentou ombro a ombro, em mesas ricas, líderes espirituais de muitas religiões, desde altos representantes da Igreja Católica, ao líder da comunidade muçulmana em Portugal, a responsáveis de variadas igrejas cristãs, membros da Fé Bahá’í), protestantes, evangélicos, judeus, agnósticos e ateus...
Eu sei que foi assim, pois eu estava sentado numa das mesas.
Este almoço foi possível por estarmos em Portugal, no Portugal de Abril, esse que consagrou – e legislou – liberdades fundamentais para que este almoço – e outras provas de ecumenismo à moda cristã - fosse possível.
A entrada em vigor e progressiva institucionalização da Lei da Liberdade Religiosa de 2001, bem como a Concordata com a Santa Sé e o Estado Português, de 2004, foram momentos marcantes nesse percurso, com algumas diatribes pelo meio, como a negação dos festejos dos feriados religiosos imposta pelo Governo, só para dar um dos exemplos de repressão mais discretos.
A Liberdade Religiosa – a par com a Liberdade de Expressão ou de Opção – é uma das mais nobres com que contamos. É um direito do espírito - palavra que uso a metafisicamente para me referir à consciência ou personalidade. Um direito fundamental. Para quem acredita nisto, limitar alguém nas suas liberdades é uma afronta ao coletivo. Não dar voz a um preso, violentar objetores de consciência, impedir o direito às ideias, individuais e coletivas – são exemplos do que é intolerância, do que é autoritarismo, do que conduz a formas de poder musculadas e excessivas, que conhecemos nas formas dos fascismos da História em várias facetas.
Enquanto o almoço decorria, as televisões mostravam imagens de Sydney onde um sequestro num café terminava com três mortos, sendo o sequestrador abatido pela polícia. A essa, seguia-se outra, sobre o grupo autodenominado "Estado Islâmico”, com a banalização a que levaram as suas crenças. Curiosamente, os temas de conversa, no almoço, passaram por estes exemplos. E pela distância que existe entre pessoas que vivem em liberdade e que respeitam direitos humanos e aquelas que desvalorizam o ser humano e o que ele é, intrinsecamente: um ser de construção e não de destruição. O tema da liberdade religiosa anda hoje em cima das mesas dos que pensam. E ultrapassa já a polémica que esteve presente quando os crucifixos nas salas de aula italianas, em 2009, vieram a título de notícia. Ou quando começaram os atentados de Bagdad e de Alexandria , em 2010, contra a liberdade de culto dos católicos. Ou quando a construção de mesquitas com minaretes foi discutida na Suíça, em 2009. Hoje, a campanha cada vez mais expressiva contra os muçulmanos do mundo está a comprometer a sua liberdade, sabendo como sabemos que os fundamentalistas são apenas uma percentagem ínfima de uma população equivalente a um quarto dos habitantes do mundo. Mas ver algumas generalizações mediáticas sobre imagens de extremismo imbecil, acéfalo, e cobarde, que decapita inocentes para formar um estado de excessos revoltantes, pode conduzir a outros fundamentalismos, implantados nos cérebros dos consumidores dessas mesmas generalizações mediáticas. É como vir a descobrir que todos os australianos são assassinos porque um deles atacou inocentes num café – e matou alguns desses inocentes.
Observar para a Liberdade Religiosa é hoje uma tarefa de todos. Nas nossas escolas, meninos budistas sentam-se ao lado de companheiros hindus, judeus, católicos, muçulmanos. Como nós naquele almoço de festa. Tão diferentes e todavia tão iguais no mesmo prazer de disfrutar uma Liberdade que nos revela como queremos: Humanos. Creio que foi Paul Valéry quem disse que “há momentos infelizes em que a solidão e o silêncio se tornam meios de liberdade.”
Escrever em momentos de crise, por exemplo. E fazer da Escrita uma bandeira, digo eu.”
Alexandre Honrado
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